28/12/2014

Filmes: A Abadia de Northanger de 1987 e 2007

*AVISO: Essa resenha contém spoilers tanto do livro quanto das suas 
adaptações cinematográficas! Não diga que não avisei!* 

A Abadia de Northanger, o primeiro livro que Jane Austen escreveu e porém um dos seus últimos a serem publicados, conta a história de Catherine: uma moça modesta, ingênua e que é grande fã dos livros de mistério gótico da escritora Ann Radcliffe. Convidada por um casal amigo de seus pais, os Allens, Catherine passa a alta temporada em Bath para conhecer pessoas novas. Lá ela faz amizade com os Thorpe, por serem conhecidos da Sra. Allen- aqui ressalto que na época em questão quando em um baile a pessoa só poderia conversar com alguém que era seu conhecido- principalmente com Isabella e John que depois Cath descobre serem nada além de interesseiros.

Mas em sua jornada ela também conhece o encantador Sr. Henry Tilney, um clérigo por volta dos 25 anos, que com seu sarcasmo consegue conquistar Catherine logo em sua primeira dança. Com uma mente muito fértil, assim que ela é convidada pela família Tilney a ser hóspede em sua abadia, a mente fértil de Cath age a mil e assim quase estraga sua felicidade ao lado de quem mais ama.

Ilustração feita para a edição do livro em 1907 por C.E Brock


O livro, do qual eu já resenhei (dá um olhada aqui) é um dos meus favoritos de Jane. Muitas pessoas que o leram afirmaran que não gostaram pois a personagem não parece tão bem trabalhada e a narrativa é um pouco lenta, mas discordo. O livro que é em 3º pessoa com comentários da narradora, consegue nos envolver ainda mais na narrativa e são uma amostra do sarcasmo latente de Austen ao contar a história de uma "aprendiz de heroína" até seu triunfo como uma protagonista certificada. 

Ademais, todos esses elogios que dedico com afinco ao livro não podem ser atribuídos às suas duas adaptações cinematográficas. Lembram-se de quando na minha resenha do livro disse pressentir que gostaria mais da versão de 2007 pois JJ Feild fazia parte dele?Pois é, gostei mais do que o antigo mesmo, mas nem mesmo JJ salvou completamente o filme para mim. E embora nem queira começar ao falar da versão de 1987, ou nenhuma das duas pelo meu desapontamento profundo, resenharei ambas. 
Vamos lá!

A Abadia de Northanger (1987) 



A primeira cena do filme é Catherine- interpretada por Katharine Schlesinger - deitada em cima de uma árvore de forma sugestiva, com suas meias brancas aparecendo por seu vestido levantando. Lendo um livro de romance gótico, conseguimos escutar os suspiros e a sensualidade quase inocente de Cath.
O filme já me perdeu aí - logo desenvolverei o porquê-, mas continuei a assistir esperando que minha primeira impressão estaria errada. 
Os acontecimentos, depois desse início, ocorrem de forma rápida demais. Catherine então chega a Bath. Já conhece Henry. Isabella e John já começam parecendo serem de mau- caráter nos primeiros 20 minutos do filme. É tudo muito corrido e chato. 
O que me aborrece, em ambas adaptações é que os diretores se focam no lado sensual dos romances góticos ao invés do lado imaginativo, esse que Catherine desenvolve além de tudo, porém chegaremos logo logo nesse assunto.
Antes, gostaria de analisar alguns dos personagens mais importantes: 


Katherine Schlesinger como Catherine Morland



Na primeira vez que a vi na tela, fiquei impressionada. Eu havia imaginado Catherine daquele jeito. Austen a descreve como uma garota comum que dependendo de algumas ocasiões se tornava até muito bonita. A atriz não é obviamente bela e ao decorrer do filme podemos perceber o seu encanto nada cliché.
O que me desapontou foi sua atuação. Afetada demais, forçada demais assim como a maioria do elenco. Foi como vi numa resenha, essa versão mais parece Jane Austen encontra The Rocky Horror Picture Show do que qualquer outra coisa!
Entretanto, ela teve uma química muito boa com Peter Firth - que nessa versão interpreta Henry Tilney- o que tornou o filme até um tanto interessante de se ver.
Minha conclusão é que ela não incorporou Catherine de forma fiel e muito disso tem a ver com a tentativa de um apelo sexual para uma personagem que não necessitava disso.

Peter Firth como Henry Tilney


Peter foi até uma surpresa agradável. Assistindo as duas versões, JJ Feild se encaixa perfeitamente em como imaginei Henry, mas Firth atua muito bem. Isso é...até que a bizarra sessão de canto dele começa. 
Todos nesse filme estão forçados demais, acho que devido a direção, mas esse Henry não é tão apaixonante. Ele parece distante demais e como age perto de Catherine não deixa dúvidas que gosta dela, fato que no livro demora um pouco para percebermos e nos deixa na expectativa. 
Uma ótima tentativa, mas não me conquistou. Razoável, no máximo. 

Outras menções memoráveis: 


Googie Withers e Geoffrey Chater como o senhor e a senhora Allen estavam apropriados para seus respectivos papéis. Humor e seriedade estavam combinadas, tornando suas aparições na tela muito bem vindas. 
Já não posso dizer o mesmo de Jonathan Coy e Cassie Stuart que interpretam respectivamente John e Isabella Thorpe. Qualquer um, até mesmo essa versão tapada de Catherine,conseguiria perceber que os dois são dissimulados e falsos. Tudo nessa versão está errado, tudo! 
Já Ingrid Lacey que interpreta Eleanor parece fora de lugar. A atuação dela é calma, que destoa e muito da comicidade forçada dos outros atores. É a única que parece estar seguindo as instruções de Jane Austen. 

Outra adição incompreensível na história é a da Marquesa, interpretada Elaine Ives- Cameron. Ela se destoa completamente dos outros personagens, digo, observe suas roupas. Embora não fosse uma personagem criada por Austen,achei-a intrigante e previ que teria uma grande participação no filme.
E acredite, ela não tem absolutamente nenhuma! 
Seu único proposito é contar ao Capitão Tilney, interpretado por um competente Robert Hardy, que Catherine não é rica. Quem já leu o livro sabe que ele descobre por terceiros e se a "missão" dela no filme foi só essa, por que colocar uma personagem tão peculiar para no fim não adicionar nada na narrativa? Não fez sentido algum e me decepcionou de forma completa! 

O filme foi ranqueado de forma baixa ao meu ver. Uma trilha sonora fora de sintonia com o filme, figurinos muitas vezes ridículos, atuações forçadas da maioria do elenco e adições de personagens que de promissores não tinham nada. 
Tive que me forçar a assistir o filme todo que de prazeroso não foi nada. A adição da cena em que elas andam na piscina foi visualmente interessante, mas destoa da história de Jane Austen deixando tudo ainda mais bizarro. 
Eu aconselho a fãs de Jane Austen que assistam para matar a curiosidade, mas se preparem que de boa essa adaptação tem muito pouco. 


A Abadia de Northanger (2007) 


Essa adaptação é superior em vários sentidos a da de 1987, mas ainda assim falha em inúmeros aspectos. De novo, a sensualização da imaginação de Catherine me incomoda, embora a atuação e a adequação de época sejam infinitamente melhores. 
A primeira cena do filme começa com a narração precisa do primeiro capítulo de Jane Austen: 
Ninguém que tivesse conhecido no passado a menina Catherine Morland poderia ter presumido que ela nasceu para ser uma heroína. Sua condição de vida, as índoles do pai e da mãe, sua própria pessoa e seu temperamento, tudo isso a reprimia num mesmo obstáculo.
Isso me animou. Ele estavam seguindo o livro e eu estava muito feliz. Até que o diretor resolveu colocar mais uma referência de Catherine- interpretada pela Felicity Jones- lendo o livro de forma erótica. Essa cena, para mim, desacreditou todo o filme.
Ao meu ver o diretor, Ian B McDonald, viu a versão de 1987 e resolveu utilizar algumas dessas ideias em seu novo filme. A cena da carruagem, na qual Catherine está viajando para Bath com os Allens é praticamente igual nas duas versões.
Somente digo: péssima decisão, Ian! 

Catherine Morland como Felicity Jones 


Começo dizendo que considero a Felicity uma ótima atriz.  Ela é bem mais adequada do que Katherine, da primeira versão, e ela parece natural ao sentir vergonha e agir como uma adolescente. Ela não tinha qualquer afetação, como na versão da outra Abadia de Northanger, e me fez gostar muito do seu personagem a tornando quase cômica. 
Concluo sem pestanejar que ela está adequada na pele de Catherine, embora não a veja e nem Katherine como a verdadeira Srta, Morland. 
Até agora ela foi a mais adequada e lhe dou meus parabéns! Mas ela não me convenceu inteiramente como a personagem. 

JJ Feild como Henry Tilney 


O meu favorito da versão de 2007! Pode até ser predileção, mas ele soube trazer Henry Tilney a vida. No livro ele parece um tanto duro, mas nessa adaptação JJ conseguiu dosar audácia e sarcasmo de forma perfeita nos fazendo suspirar por seu personagem. (Para mim, por isso ele foi escolhido a interpretar Henry Nobley em Austenland! Se não assistou, faça agora!
Ele transforma Tilney em alguém querido e nobre de espírito, o que não acontece sempre no livro. 
O que critico é que em ambas as versões, JJ e Peter demonstram seu afeto por Catherine muito cedo. O interessante da narrativa, aquele "será que ele gosta de mim também?" se perde um pouco e como fica tudo muito óbvio perde a animação de saber se ela  eventualmente também o conquistará. 

Outras menções memoráveis: 


A adaptação com as atuações mais sólidas e críveis, sem dúvida alguma. Novamente os atores encarregados de interpretar os Allens são muito competentes. Sylvestra e Desmond convencem e dão uma leveza natural aos seus personagens que os intérpretes anteriores não conseguiram. 
William Beck como o interesseiro John Thorpe foi escalado de forma perfeita. Ele age de modo metido, ao mesmo tempo sendo galante ao extremo, convencendo qualquer um que é alguém honesto, mesmo que não seja. Crível, acima de tudo!
Já posso dizer que Carey Mulligan rouba todas as cenas em que aparece! Ela traz uma dissimulação enigmática ao seu papel, ora boazinha e ora fingida, tudo com muita credibilidade. Uma das melhores atuações do filme. Carey realmente merece seu sucesso em Hollywood. 
Catherine Walker no papel de Eleanor Tilney convence, mas não se destaca. Prefiro a interpretação de Ingrid Lacey, que domina a atenção que está na tela e sempre parece gentil de um jeito nada medíocre, como Catherine nessa adaptação. 


Liam Cunningham como o capitão Tilney me convenceu. Ele pareceu sombrio o suficiente e demandava o tipo de respeito que acovardaria todos à sua volta.




Considerações finais

Com certeza vocês perceberam que minha versão favorita foi a de 2007, pelas comparações, mas mesmo assim, não posso fingir que a adorei. Ela possui muitas falhas no enredo e é divertidinha no máximo. 
Várias vezes mencionei a sexualização precoce da personagem como um ponto negativo e explicarei agora. No livro, conhecemos Isabella que achando que Catherine vem de uma família abastada começa a flertar com seu irmão, James, e fica noiva dele. Quando ela descobre que o dote é pouco, ela se desanima com o casamento e começar a fletrar com o irmão mais velho de Henry Tilney, Frederik.
Jane Austen nos dá a entender que Frederik tem relações sexuais com Isabella e depois a descarta. 
Para mim com a sensualidade latente e fantasias eróticas de Catherine em ambos os filmes, fica muito difícil acreditar que durante todo esse tempo ela não tenha nem uma pista sobre o que ele possa querer com sua amiga. 
Na primeira versão, Catherine é retratada como uma boba e na segunda como uma menina ingênua que tem várias fantasias eróticas pela sua falta de experiência. 
O que me aborrece é que a imaginação fértil de Catherine nas versões cinematográficas perdem espaço para fantasias sexuais que Jane Austen não dá nenhuma importância ou relevância. Com tanto enfoque nisso, fica difícil para acreditar que a srta. Morland é tão inocente assim e que não tenha nenhuma ideia sobre o que estava acontecendo por suas costas.

Outra coisa que me aborrece em ambas as adaptações é a retratação da Abadia.Quando ela chega lá, Catherine se depara com um lugar moderno para a época e isso a decepciona a fazendo buscar nos menores detalhes algo para fazer sua imaginação decolar. Já nos filmes, a Abadia é sombria e parece somente esperar por Catherine para que tudo se desenrole de forma sombria.

De qualquer forma, aconselho a quem gosta de Abadia de Northanger a começar assistindo a versão de 2007, mesmo que preferisse que fizessem mais uma versão e dessa vez focando mais nas fantasias sombrias e imaginativas de Catherine e não em suas eróticas e retirando toda essa comédia, muitas vezes desnecessária.
Catherine pode até ser inexperiente, mas é inteligente, vivaz, interessada e leal. Ela tem seu senso de responsabilidade e apesar da imaginação fértil, ela apreende que a vida real é uma coisa e que a ficção é outra sem ter que queimar seus livros para isso como acontece nos filmes, de forma errônea ao meu ver.
As versões seriam muito mais interessantes e completas se se focassem nas aventuras de Catherine e não a sua perda de inocência.
Jane Austen que o diga!




6 comentários:

  1. Por favor, ajude-me a comprar um DVD da versão de 1987?
    Sou Késia, motak72@hotmail.com
    Obrigada!

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  2. Por favor, ajude-me a comprar um DVD da versão de 1987?
    Sou Késia, motak72@hotmail.com
    Obrigada!

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  3. Por favor, ajude-me a comprar um DVD da versão de 1987?
    Sou Késia, motak72@hotmail.com
    Obrigada!

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    1. Oi, Késia, tudo bom?

      O DVD tem para comprar pela amazon e não é muito caro. Mas posso te passar as instruções por e-mail se preferir!

      Abraços e volte sempre!

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  4. Oi! Eu não vi a versão de 1987, mas vi a de 2007 e adorei. Não vejo tentativa de erotização no filme, nem como sugestiva a forma como Catherine/Felicity lê no começo do filme, ela parece entretida e suspira, mas poderia ser pelo simple romance, um beijo naquela época seria o bastante para fazer uma jovem corar e suspirar, em outras cenas acho plausível o fato de se imaginar como uma donzela em perigo, a única cena um tanto sensual é quando Catherine sonha que sai nua da banheira com Henry à vendo, considerando que ela estava lendo O Monge, faz sentido reproduzir a cena em um sonho, o que seria algo aventureiro, mas desconhecido, um tanto sensual, mas até comum para uma menina inexperiente. Existe uma certa inocência que liga a sexualidade ao romantismo, especialmente para uma menina daquela época, ela não tem experiência, mas imagina... Acho que torna a personagem mais real, como uma jovem que imagina e quer experimentar a vida, mas não tem a mínima ideia de como ela realmente é, e não tira de sua inocência. Talvez até enfatize à inocência da sexualidade relacionada ao romance, e não como "arma" como era usada por Isabella, assim se torna inaceitável para Catherine, que gestos românticos e sensuais sejam usados "casualmente".

    Gostei muito das resenhas. Adoro o JJ Field, adorei papel dele como Sr. Nobley. Vou procurar a versão mais antiga de Northanger Abbey para ver e matar a curiosidade.

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  5. Olá, muito obrigada por passar por aqui!
    Entendo essa leitura sobre o livro, que também é muito válida e interessante, mas quando eu vi o filme, principalmente o segundo tive essa impressão de erotização da personagem. Depois, procurando outras resenhas do livro e do filme vi que muitos tem sua opinião e também a entendo, claro, embora não concorde 100%!
    E você tem total razão, naquela época apenas um beijo já era um escândalo!
    Agradeço muito por sua passada e aconselho a que você procure essa versão antiga, para tirar a curiosidade! Também adoro o JJ Field, ele em Austenland então... <3
    Obrigada e abraços!

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